OBESIDADE e seu impacto na doença cardiovascular
AUTOR: DR. MARCELO HEITOR VIEIRA ASSAD - Presidente do Departamento de Aterosclerose da SBC - CRM 632171-RJ – RQE 22672 e RQE 22673
AUTOR: DR. RICARDO DE ANDRADE OLIVEIRA - Coordenador do Departamento de Obesidade e Doenças Associadas da Abeso CRM 796565-RJ – RQE 14040 e RQE 16416
A obesidade é uma doença multifatorial com patogênese complexa, envolvendo fatores biológicos, psicossociais, socioeconômicos e genéticos, representando nos dias de hoje um dos principais fatores de risco para doença cardiovascular.
A World Obesity Federation definiu o dia 4 de março como o Dia Mundial da Obesidade como uma forma de discutir e conscientizar sobre os riscos da obesidade, como doença que é. Em 2021, a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) se uniram para o desenvolvimento da campanha “Cuidar de Todas as Formas”. Em conjunto com diversas sociedades, incluindo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), foi elaborado um manifesto chamando a atenção de que todos os médicos devem estar atentos aos cuidados de pessoas com obesidade, independente da especialidade e área que atuam, uma vez que o excesso de peso acomete cerca de 60% dos indivíduos em todo o Brasil com repercussão em praticamente todas as especialidades médicas.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), define-se obesidade pelo índice de massa corporal > ou igual a 30 kg/ m2, sendo considerado sobrepeso faixas entre 25-29.9 kgm/2. Apesar de este índice apresentar uma boa correlação com níveis de gordura corporal quando utilizado em populações, ele apresenta certas limitações, como diferenças entre etnias e também por não diferençar o peso de massa magra daquele de massa gorda.
Destaca-se também que é a obesidade abdominal, ou seja, o acúmulo de gordura visceral que vai levar às alterações inflamatórias e humorais, que favorecem o desenvolvimento da doença aterosclerótica. Desta forma, a mensuração da circunferência abdominal, assim como a relação cintura/quadril se torna um preditor de risco cardiovascular ainda mais preciso do que o próprio cálculo do IMC. Estima-se que 39-49% da população mundial apresente excesso de peso, ou seja, tenham sobrepeso ou obesidade, perfazendo um total de 2.8-3.5 bilhões de indivíduos em todo o mundo. Estudos indicam que a obesidade respondeu por cerca de 4 milhões de mortes no ano de 2015, sendo 2/3 destas mortes de causa cardiovascular.
Mais recentemente, diante da pandemia da COVID-19, observamos uma verdadeira sindemia que foi a convergência de 2 grandes pandemias: aquela causada pela infecção pelo SAR-COV2 acrescida da pandemia de obesidade.
A obesidade afeta de várias formas o sistema cardiovascular, aumentando o risco de desenvolvimento de inúmeras doenças deste sistema, tais como doença coronariana, acidente vascular encefálico, tromboembolismo venoso, hipertensão pulmonar, insuficiência cardíaca e arritmias, incluindo a morte súbita.
Em relação à doença aterosclerótica, sabe-se hoje que o processo de formação da placa de ateroma tem início na infância, com a formação dos macrófagos ricos em gordura e que se depositam na íntima das artérias. A obesidade, por sua vez, acelera este processo de formação aterogênica através de vários mecanismos, sobretudo inflamação sistêmica e resistência à insulina. Índices cada vez maiores de obesidade na infância já são motivos de preocupação, sobretudo pelo seu possível impacto no risco de doença cardiovascular nas décadas subsequentes.
Já no campo da arritmologia, desde a antiguidade já se especulava sobre uma possível associação entre obesidade e arritmias. É atribuída a Hipócrates a afirmação de que a “morte súbita é mais comum naqueles que são naturalmente gordos do que nos magros”. A associação entre a obesidade e arritmias cardíacas (atriais e ventriculares) possui aspectos peculiares. Pacientes com obesidade apresentam alterações fisiopatológicas que comprometem a manutenção do ritmo cardíaco normal, com repercussão sobre o surgimento de arritmias cardíacas como fibrilação atrial, disfunção sinusal e, até mesmo, morte súbita. Tais alterações fisiopatológicas podem ser de natureza inflamatória, humoral, mecânica e autonômica.
Um outro papel bastante relevante da obesidade no campo das doenças cardiovasculares se deve a seu papel sobre a pressão arterial sistêmica, a qual é a principal doença cardiovascular em todo o mundo, acometendo cerca de 30% da população. Existem dados que apontam para uma relação direta, linear e contínua entre o excesso de peso e o aumento da pressão arterial, incluindo na faixa etária infantil. Especula-se que o acúmulo de tecido adiposo, em especial o visceral, leve à liberação de citocinas e adipocinas que promovem alterações inflamatórias, hormonais e endoteliais, as quais culminam na retenção de água e sódio, aumento da atividade simpática e do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Com isso, finalmente há uma elevação da resistência arterial periférica e débito cardíaco, resultado em hipertensão. De acordo com a própria Sociedade Brasileira de Hipertensão a obesidade deve ser reconhecida com uma causa secundária de hipertensão.
É importante destacar também que o excesso de adiposidade pode comprometer a função cardíaca, seja por mecanismos diretos ou indiretos. Alterações hemodinâmicas, tais como aquelas descritas no contexto da hipertensão arterial sistêmica também podem ser citadas no âmbito da insuficiência cardíaca. Ademais, existem evidências de que a obesidade pode afetar diretamente o miocárdio com acúmulo de tecido adiposo na própria musculatura lisa cardíaca, podendo levar à fibrose e quadros de insuficiência cardíaca, tanto de fração de ejeção reduzida quanto preservada.
Por fim, é fundamental uma discussão séria e profunda da obesidade como doença crônica que é e como ela impacta todas as especialidades médicas, incluindo a cardiologia. Com o avanço das pesquisas, fica evidente que a complexidade do manejo do paciente com obesidade, o qual deve ser obrigatoriamente multidisciplinar, envolvendo não só o médico endocrinologista, como também cardiologista, clínico geral e outros profissionais de saúde, tais como profissionais de nutrição, psicologia e educação física. Não podemos mais tratar a obesidade apenas com frases de efeito como “exercite-se mais e coma menos”. O estímulo a hábitos dietéticos mais saudáveis, a prática regular de atividade física e o uso de medicamentos aprovados para o tratamento da obesidade, em especial os agonistas do recepto do GLP-1, devem ser a base para um tratamento de sucesso dos indivíduos com obesidade.
Revista Digital Jornal do Médico® , Ano III, Nº 23/2022 [Março] Obesidade 17 / 18 / 19