Infarto Agudo do Miocardio

Um em cada três indivíduos com mais de 55 anos vai morrer de infarto agudo do miocárdio !

Essa afirmação fria e alarmante é a conseqüência final de uma cascata de fatores:

  • Políticas públicas insuficientes nas áreas de saúde e educação
  • Ausência de leis restritivas ao consumo e à publicidade de produtos não são saudáveis
  • Pouco engajamento da sociedade organizada e ausência de entusiasmo persuasivo dos profissionais de saúde

No Brasil, onde o binômio infarto agudo-acidente vascular cerebral já ocupa o primeiro lugar em causa de mortes, estudos indicam que teremos 250% de aumento na mortalidade cardiovascular nos próximos 30 anos, além de alcançarmos a liderança mundial de casos de infarto agudo do miocárdio:

O custo sócio-econômico das doenças cardiovasculares, que atingem principalmente a população de renda mais baixa, é igualmente alarmante. Apenas, na União Européia, o custo anual com as doenças cardiovasculares é estimado em 169 bilhões de euros (R$ 450 bilhões de reais). E o maior acesso à informação em todo o mundo não provocou mudança nos fatores de risco que continuam os mesmos, famosos e conhecidos: pressão alta, diabetes, colesterol elevado, tabagismo, estresse, obesidade e sedentarismo. Esses fatores de risco não apenas estão em curva ascendente, como alguns - diabetes, obesidade e estresse psicossocial - crescem numa progressão epidêmica.

A pressão alta é um fator de risco independente e contínuo para a doença cardiovascular (DCV). É responsável por 40 % das mortes por acidente vascular cerebral (AVC) e 25% por doença arterial coronariana (DAC). A concomitância com outros fatores de risco é freqüente: 40 % dos hipertensos são obesos; 40% têm colesterol elevado; 35% fumam; e a hipertensão é duas vezes mais prevalente em indivíduos diabéticos do que em não diabéticos. Apesar desses números preocupantes, metade dos indivíduos hipertensos desconhece que o são; apenas 50% dos que sabem fazem tratamento; e, desses, só 25% estão com a doença sob controle.

Diabetes é outro importante e grave fator de risco cardiovascular. Infelizmente, caminhamos para uma epidemia causada pelos hábitos alimentares inadequados, inatividade física e excesso de peso. A proteção observada nas mulheres não diabéticas desaparece. O risco de ocorrência de infarto para um diabético é tão elevado quanto o de um não diabético que já sofreu infarto do miocárdio. A doença é também a principal causa de amputação não traumática de extremidades inferiores e de insuficiência renal, e importante causa de cegueira e, em cada 10 diabéticos, oito vão morrer por complicações cardiovasculares.

O tabagismo continua sendo um grande vilão, de preocupação mundial,. É impressionante que, em nosso país, ainda existam mais de 35 milhões de usuários ativos, sendo o consumo médio em torno de um maço por dia (20 cigarros) - quantidade que eleva o risco de DCV em 300%. Isoladamente, o tabagismo ainda é o mais importante fator de risco modificável para doença arterial coronariana. O consumo de cigarro está diretamente relacionado ao aumento nas proporções de morte súbita, AVC isquêmico, doença vascular periférica, formação de aneurisma aórtico. E a associação de cigarro com agentes contraceptivos orais (pílulas) expõe as mulheres jovens a riscos estrondosos de doença coronariana, AVC e tromboembolismo pulmonar.

O colesterol elevado (dislipidemia) é um fator de risco que tem ocupado grande espaço na mídia. Sua correlação com DCV e, principalmente, com as DACs é exaustivamente alvo de debates, alimentados também pelo interesse financeiro da indústria farmacêutica no seu tratamento. Ainda assim, estima-se que, no Brasil, mais de 20 milhões de indivíduos apresentem distúrbios do colesterol e dos triglicerídeos: grande parte não sabe que têm ou não se preocupa com o problema, já que colesterol alto não dói ou incomoda.

A obesidade caminha junto com o diabetes, em franca e preocupante expansão, inclusive na infância. O excesso de peso está relacionado com maior risco cardiovascular. Hoje se sabe que a obesidade abdominal (a famosa barriga) é a grande vilã da associação entre peso e DAC. A síndrome metabólica - aumento da circunferência abdominal, hipertensão, HDL baixo (bom colesterol), triglicerídeos elevados e hiperglicemia - já acomete mais de 20 % dos americanos e atinge parcela significativa da população mundial..

O sedentarismo da vida moderna, onde todos os avanços tecnológicos contribuem para o menor esforço, tornou-se um agravante. Mais de 80% da população brasileira não faz nenhuma atividade física regular, dado estarrecedor, já que a atividade física regular contribui para redução do peso corporal, redução da resistência insulínica, atenuação da dislipidemia, estímulo ao abandono do tabagismo, aumento da densidade óssea e redução do estresse.

O estresse é outro fator de risco frequente, traiçoeiro e silencioso, que atinge grande parte da população mundial, inclusive adolescentes e crianças. É necessário atenuar seu impacto: planejar o dia-a-dia, estabelecer objetivos realistas, ter capacidade de adaptação às situações e buscar no tempo vago atividades prazerosas estes são mecanismos compensatórios fundamentais. A busca incessante e patológica de estereótipos de poder, dinheiro, beleza e sucesso, ao invés de nos aproximar da felicidade, acabam nos afastando dela.

Esse panorama pode dar a impressão de desestímulo e desespero. Na realidade, entretanto, é um grande alerta conclamando para grandes mudanças de rumo, que dependem tanto de nós, enquanto sociedade organizada, quanto de políticas públicas governamentais. As alterações necessárias passam obrigatoriamente pelo envolvimento de todos: educadores, profissionais de saúde, políticos, formadores de opinião.

Mudar de rumo significa investir em prevenção, prevenção e prevenção. É fundamental que a prevenção primária - isto é, antes do aparecimento de manifestações de DCV - torne-se uma prática rotineira, principalmente para aqueles com história familiar da doença ou portadores de fatores de risco. A prevenção secundária, após o diagnóstico de uma doença cardiovascular, é determinante para tentar se evitar novos eventos. Um portador de DCV não está condenado a um prognóstico sombrio, mas. Mas o controle dos fatores de risco e a mudança dos hábitos de vida são obrigatórios.

Os números são categóricos em demonstrar que sempre vale a pena mudar. Antes tarde do que nunca.

  • A interrupção do fumo traz um resultado rápido e intenso na redução do risco de DCV: um ano após a sábia decisão, 50 % de sua negativa influência desaparece.
  • A perda de 10 % do peso corporal é um dos principais redutores da pressão arterial sistólica.
  • A atividade física constante reduz isoladamente em até 10 mmHg a pressão arterial, em 30mg/dl a glicose sanguínea, em 15% a taxa dos triglicerídeos. Um portador de hipertensão arterial controlada reduz seu risco em apresentar AVC em até 40% e em 50% de insuficiência cardíaca.

Só alcançaremos êxito neste mutirão pela prevenção se iniciarmos essa empreitada com o foco nas crianças, fortalecendo o controle alimentar, frisando a importância da atividade física regular (brincar, correr, disputar), impondo limites, definindo claramente direitos e deveres, que, no futuro, irão ser impactantes para sua saúde e qualidade de vida.

Como disse Henry David Thoreau, poeta e filósofo americano do século 19, "mais rico é o homem cujos prazeres são mais baratos". Nada é mais importante, simples e inteligente do que a preservação da saúde e, conseqüentemente, da qualidade de vida.

Marcelo Assad

Chefe do Serviço de Aterosclerose e Prevenção Cardiovascular do Instituto Nacional de Cardiologia.

Mestre em Cardiologia pela UERJ.